Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Gabinete do Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira

PROCESSO Nº: 0809450-20.2021.4.05.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
AGRAVANTE: UNIÃO FEDERAL
AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATOR(A): Desembargador(a) Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira - 3ª Turma
PROCESSO ORIGINÁRIO: 0803436-31.2021.4.05.8500 - 3ª VARA FEDERAL - SE

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pela UNIÃO FEDERAL contra decisão do Juízo da 3ª Vara Federal de Sergipe, cuja parte dispositiva é a seguinte:

Posto isto, DEFIRO A TUTELA  DE URGÊNCIA POSTULADA, para determinar:

1 - À UNIÃO e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE que, na condução do concurso regido pelo Edital Concurso PRF nº 1, de 18 de janeiro de 2021, respeitem a reserva de vagas destinadas a candidatos negros estabelecida no §1º do art. 3º da Lei 12.990/2014 em todas as fases do concurso e não apenas no momento da apuração do resultado final;

2 - À  UNIÃO e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE que realizem a retificação do Edital Concurso PRF nº 1, de 18 de janeiro de 2021, para dele fazer constar expressamente que os candidatos autodeclarados negros aprovados nas provas objetivas que tiverem direito à correção de suas provas discursivas com base nas suas classificações na ampla concorrência não serão contabilizados no quantitativo de correções das provas discursivas de candidatos autodeclarados negros, constando tanto da listagem de candidatos da ampla concorrência com direito à correção de suas provas discursivas, quanto da listagem dos candidatos autodeclarados negros que têm direito à correção de suas provas discursivas;

3 - À UNIÃO e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE, de acordo com os itens anteriores, que não considerem, no número de correções de provas discursivas para vagas reservadas para candidatos negros, aqueles candidatos negros que obtiveram nota suficiente para estarem no número de correções de provas discursivas para vagas de ampla concorrência, na primeira etapa do concurso público em andamento (mantendo-os, porém, tanto na lista dos aprovados para as vagas destinadas à ampla concorrência quanto na lista dos aprovados para as vagas reservadas a candidatos negros), devendo realizar, ainda, a correção das provas discursivas de candidatos autodeclarados negros aprovados e classificados dentro das vagas reservadas, tantos quantos bastem para completar o limite previsto no edital (ou seja, em número equivalente ao de candidatos autodeclarados negros classificados ou aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência);

4 - À UNIÃO e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE, que retifiquem o Edital de Concurso PRF nº 11, de 27 de maio de 2021, de forma a que sejam incluídos, na lista dos candidatos que se autodeclararam negros, outros eventuais candidatos que atendam ao item "c.3" acima, devendo ser oportunizado a esses candidatos o direito de interposição de recurso contra o resultado provisório da prova discursiva;

5 - À UNIÃO e ao Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos - CEBRASPE que, analisados os eventuais recursos, publiquem o resultado final da prova discursiva relativamente a esses candidatos e façam a convocação para a prova de capacidade física dos que forem aprovados na prova discursiva (item 11.1 do edital), bem como das demais fases do certame (itens 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 do edital), caso venham a obter aprovação, retificando-se os correspondentes editais de resultados já publicados;

6 - A suspensão do andamento do concurso público até que os candidatos que venham a ter suas provas discursivas corrigidas, nos termos das alíneas anteriores, e sejam submetidos às demais fases do certame (caso venham a obter aprovação), até que alcancem a fase em que se encontram os demais candidatos já aprovados.

Cite-se a União Federal.

Na contestação, já devem os réus indicar as provas que pretendem produzir, especificando-as, nos termos do art. 336 do CPC.

Se na resposta houver preliminares ou alegação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado, intimar os autores para apresentarem réplica e indicar as provas que pretende produzir, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme os arts. 350 e 351 do CPC.

 Intimem-se as partes e os demais interessados.

 

Em suas razões recursais, a parte recorrente apresenta as seguintes alegações de fato e de direito visando à concessão do efeito suspensivo e à reforma da decisão agravada:

a) Há litispendência em relação à Ação Popular nº 1024029-73.2021.4.01.3500, ajuizada por Josicleiton Marques de Sousa, perante a Vara Federal Cível e Criminal da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato-PI, que tem a mesma causa de pedir e pedido da presente ação civil pública, e sobretudo busca o mesmo resultado prático.

b) Ainda que não se entenda pela litispendência, é preciso reconhecer a conexão da presente ação civil pública com a Ação Popular nº 1024029-73.2021.4.01.3500 em tramitação perante Vara Cível e Criminal da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato-PI.

c) A legislação impõe a reunião das ações no juízo prevento, onde serão resolvidas simultaneamente, evitando a prolação de decisões contraditórias.

d) A petição inicial da ação civil pública é inepta, pois não apresenta os fatos com necessárias clareza e objetividade, dificultando a compreensão do objeto da demanda, a ampla defesa e o contraditório.

e) Não foram preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência, pois não há probabilidade do direito, uma vez que o alegado direito não encontra guarida no ordenamento jurídico e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo não restou demonstrado.

f) O pleito de tutela provisória tem viés satisfativo, pois seus efeitos serão irreversíveis, tendo em vista o impacto orçamento e administrativo que lhe é inerente, encontrando vedação no art. 300, § 3º, do CPC, no art. 1º da Lei nº 9.494/1997 e no art. 1º, § 3º, da Lei n. 8.437/1992.

g) O Ministério Público Federal alega que não estaria sendo respeitada o sistema de cotas/vagas reservadas aos candidatos autodeclarados negros (art. 3º, §1º, da Lei n. 12.990/2014), a pretexto de aumentar a quantidade de candidatos autodeclarados negros cujas provas discursivas sejam corrigidas.

h) Pretende o Parquet Federal que os candidatos autodeclarados negros aprovados/classificados nas provas objetivas que tiverem direito à correção das provas discursivas, com base na classificação da ampla concorrência, não sejam contabilizados para efeito do quantitativo de provas discursivas a serem corrigidas das vagas reservadas para candidatos autodeclarados negros.

i)  No entanto, a Lei n. 12.990/2014 estabelece a “reserva das vagas oferecidas” para os aprovados nas vagas certame; não a “reserva de posição/classificação na prova objetiva” para “correção da prova discursiva” (“x vezes” o número de vagas) e prosseguimento no certame.

j) Em cumprimento ao sistema de vagas reservadas aos candidatos negros (art. 3º, §1º, da Lei n. 12.990/2014), o percentual está sendo observado em todas as fases do certame, de modo que a correção das provas discursivas de candidatos autodeclarados negros corresponde proporcionalmente ao número de vagas reservadas em edital, de acordo com a posição de corte na classificação da prova objetiva (cláusula de barreira) para fins de correção da prova discursiva.

k) Ademais, conforme a Lei n. 12.990/2014 e a decisão do STF (ADC 41-DF), o Edital estabeleceu que em cada uma das fases do concurso será observada a reserva de vagas, de modo que os candidatos autodeclarado negros classificados ou aprovados dentro do número de vagas oferecido a ampla concorrência não serão computados para efeito de preenchimento do percentual de vagas reservadas (item 6.10).

l) Há que se ponderar sobre a necessidade de autocontenção do Judiciário ante à natural competência da Administração Pública para planejamento e coordenação das suas ações, sobretudo considerando os efeitos práticos que uma decisão judicial nesse âmbito causa.

m) A pretensão da parte adversa, acaso acolhida, gerará graves prejuízos ao andamento do concurso e candidatos, à Polícia Rodoviária Federal e à Administração Pública em geral, e à toda Sociedade, até porque causaria a necessidade de refazer as provas já aplicadas, pondo em risco a própria efetividade do certame.

n) O eventual atraso do concurso retardará a reposição de policiais rodoviários federais, quando salta aos olhos a necessidade de reforço de pessoal na Polícia Rodoviária Federal, o que causaria impacto direto nas atividades policiais, notadamente em regiões estratégicas, na área de fronteira e em localidades de difícil provimento.

Requer, assim, seja atribuído efeito suspensivo ao presente agravo de instrumento, sustando-se o cumprimento da decisão agravada até o pronunciamento definitivo da Turma.

É o relatório.

Nos termos do art. 1.019, inciso I, do CPC, poderá o relator atribuir efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.

Os requisitos para atribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento são aqueles previstos no art. 995 do CPC, cuja redação é a seguinte:

Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.

Parágrafo único.  A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

No caso dos autos, entendo que se encontra presente a probabilidade de provimento do recurso, tendo em vista que:

a) O art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.290/2014 não contém nenhuma disposição que autorize o entendimento de que os candidatos autodeclarados negros aprovados/classificados nas provas objetivas que tiverem direito à correção das provas discursivas, com base na classificação da ampla concorrência, não sejam contabilizados para efeito do quantitativo de provas discursivas a serem corrigidas das vagas reservadas para candidatos autodeclarados negros.

Com efeito, o caput do art. 3º da Lei nº 12.290/2014, ao estabelecer que “Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso”, apenas prevê a possibilidade de candidatos autodeclarados negros possam concorrer tanto às vagas reservadas quanto às vagas destinadas à ampla concorrência, sem que seja necessário optar previamente por determinada grupo.

O § 1º do referido artigo, por sua vez, ao dispor que “Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados para efeito do preenchimento das vagas reservadas”, apenas preceitua que os candidatos negros que forem aprovados no concurso nas vagas destinadas à ampla concorrência não serão contabilizados para efeitos de cotas.

b) O acórdão proferido na pelo Supremo Tribunal Federal na ADC 41/ DF, Tribunal Pleno, Min. Luís Roberto Barroso, Julgamento: 08/06/2017, DJe 180 de 17/08/2017), ao determinar que “a administração pública deve atentar para os seguintes parâmetros: (i) os percentuais de reserva de vaga devem valer para todas as fases dos concursos” não contém nenhuma fundamentação que leve à interpretação de que os candidatos autodeclarados negros aprovados/classificados nas provas objetivas que tiverem direito à correção das provas discursivas, com base na classificação da ampla concorrência, não sejam contabilizados para efeito do quantitativo de provas discursivas a serem corrigidas das vagas reservadas para candidatos autodeclarados negros.

c) O item 6.10 do edital do concurso, ao prever que “Em cada uma das fases do concurso, não serão computados, para efeito de preenchimento do percentual de vagas reservadas a candidatos negros, nos termos da Lei nº 12.990/2014, os candidatos autodeclarados negros classificados ou aprovados dentro do número de vagas oferecido a ampla concorrência, sendo que esses candidatos constarão tanto da lista dos aprovados dentro do número de vagas da ampla concorrência como também da lista dos aprovados para as vagas reservadas aos candidatos negros, em todas as fases do concurso”, mostra-se em consonância com as disposições do art. 3º, § 1º, da Lei nº 12.290/2014 e com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC 41/ DF.

O risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação também está evidenciado, sob a forma de grave lesão à ordem administrativa, tendo em vista que a paralisação do concurso causaria incomensuráveis prejuízos à Administração Pública, na medida em que impedirá a complementação do efetivo de policiais rodoviários federais necessários a atender as demandas do País, aos próprios candidatos, que terão sua nomeação significativamente retardada, e à população que ficará privada por tempo indefinido do policiamento efetivo e adequado nas rodovias federais.

Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO, sustando os efeitos e o cumprimento da decisão agravada até o pronunciamento definitivo da Turma.

Dê-se ciência ao Juízo agravado para fiel e imediato cumprimento.

Intime-se a parte agravada para, querendo, oferecer resposta no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-se-lhe a juntada da documentação que entender necessária ao julgamento do recurso (art. 1.019, inciso II, do CPC).

Em seguida, intime-se o Ministério Público, por intermédio da Procuradoria Regional da República na 5ª Região, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir no feito.

Recife, 18 de agosto de 2021.

Des. Federal ROGÉRIO FIALHO MOREIRA
Relator